De todos os artistas que eu conheci, Leminski era de quem eu mais fugia. Não que eu houvesse lido nada significativo, só os haicais, tão conhecidos, e ainda assim, de uma vez ou outra que me surgia. Preconceito puro sim, mas não com o artista, muito menos com os fãs reais da obra dele. Agora, o que me dá medo é aquela legião de pessoas que querem ser Paulo Leminski, que se apropriam de suas falas e até mesmo plagiam a sua genialidade. Também ficava receosa com os que falam mal. Não que um artista não possa ser criticado. Pode e deve! Com críticas reais e construtivas, não aquelas que tem, por debaixo das palavras bonitas, uma tentativa ínfima de destruir a genialidade do artista. Muito menos as ardilosas, que o autor devia era fazer uma terapia.
Acontece que, certo dia, estava eu aqui passeando pela minha reduzida biblioteca pessoal e me deparei com um livro dele: “Paulo Leminski — Ensaios e Anseios Crípticos”. Era de uma coleção do Polo Editorial do Paraná, que ganhei não lembro exatamente de quem e nem em qual circunstância. A descrição dizia “aqui está o melhor do seu pensamento”. Li as primeiras páginas como quem experimenta um alimento diferente pela primeira vez. Com aquela desconfiança que os curitibanos têm com o mundo que o cerca e, especialmente com outros curitibanos.
“A escrita vai ocupar um lugar, um tempo e um espaço cada vez maiores”. Ele disse em determinado momento. Poxa, Leminski, quem me dera o futuro fosse assim como seus olhos enxergavam. Mas a realidade do futuro é: escuto todos os dias que devia escrever menos, que devia fazer textos menores, porque, sejamos francos, ninguém lê. Textos pílulas, que seriam doses diárias para quem quer dizer que leu alguma coisa. Os avisos são de pessoas preocupadas, mas desavisadas de que o que motiva um escritor é escrever. Não sabem que, por melhor que sejam as intenções, são facadas na alma. Despedaçam corações que batem com palavras.
“Muito significativo que a leitura já comece sob o signo da morte”. Muito significativo mesmo, Paulo, obrigada. Em tempos em que os jornais estão morrendo, enquanto plantam bananeiras e fazem piruetas para manter o leitor interessado, em meio a expressões soltas para aumentar o ranqueamento no Google. Ah, Leminski, com a sua genialidade você talvez inventasse um jeito leminskiano de passar com sua prancha de palavras por essa onda de morte anunciada.
Pessoalmente, acho que o problema está na mania de achar que podem enfiar textos goela abaixo. Um resquício da escola em que todo mundo era ensinado que ler é chato. Onde os clássicos são recomendados como remédios salva-vidas. Onde se esquece que a justa medida da leitura é aquela que vai se crescendo aos poucos como escada. Muito me preocupa uma sociedade que não conhece o prazer de ler. Esse prazer que é um respiro em um mundo consumista que corre contra o relógio. Leitura não é remédio. É um alimento que cabe a cada um achar o que lhe apetece. Junk food ou saudável? Carnívora ou vegetariana? Gordurosa ou light?
A verdade é que ninguém chega ao mundo comendo caviar. E, caro leitor, verdade seja dita. Se em algum momento o texto não lhe prendeu, não lhe instigou, não lhe deu resquícios de continuar, não leia. Feche o livro, a página, o site e abra outro em seguida. O jogo escritor-leitor é justamente esse. Uma dança, uma conquista romântica, um swing de interesses. Não deu match? Siga em frente. E de vez em quando, volte aos clássicos, não por obrigação, por curiosidade mesmo. Rebeldia. No jogo de desafiar Leminski, Lobato, Verissimo, Lispector, Hist, Fagundes Telles, Meireles, Woolf, Austen, Baudelaire, Dostoiévski, Bradbury.
Enquanto escrevia esse texto, a ortografia me dizia que Leminski estava errado. A solução? Adicionei no dicionário.