É difícil agradar a gregos e troianos, especialmente no mundo musical, mas “Humanity – Hour I” tem todos os elementos necessários para angariar esse posto. O primeiro álbum conceitual do Scorpions consegue transpassar algumas barreiras musicais sem perder a essência que caracteriza a banda. Pouquíssimas bandas conseguem a fórmula perfeita de se arriscar sem se perder no caminho e “Humanity – Hour I” é a prova de que isso é possível.
Claro que é importante se atentar ao conceito que todo tem ou deveria ter no seu processo de criação. O décimo sexto álbum da banda foi produzido por Desmond Child e James Michael. A temática é sobre um futuro caótico que tem como responsável a guerra civil entre homens e máquinas. A preocupação com os avanços da tecnologia estava em alta na época, e se tornou contínua ao longo dos anos. Portanto, a ideia de trabalhar com esse assunto foi excelente e a produção se tornou impecável. O responsável pela visão futurista e caótica de um mundo das máquinas foi Desmond.
“Humanity Hour I” tem 12 faixas e teve suas gravações realizadas de outubro de 2006 a fevereiro de 2007. Foi lançado em 14 de maio na Europa, 20 de junho no Japão e em 28 de agosto no Canadá e nos Estados Unidos.
A voz robotizada contrasta com as batidas quase em estilo ritualístico, e a guitarra pesada que se segue, com o que seria uma sirene de fundo não denuncia que você está diante de um álbum do Scorpions. Isso porque “Hour I” começa pesada para o que a banda costumava apresentar. O vocal de Klaus Meine, sempre tão carregado emocionalmente, soa frio, dentro do considerado para o alemão. A letra de “Hour I”, que dá nome ao álbum, é catastrófica e fala sobre uma sociedade dominada pelas máquinas, como a ruína dos seres humanos. Os anos 2000 trouxeram essa preocupação intensa em relação à Inteligência Artificial ser algo perigoso e ameaçador. “Human nature is the reason/ For our downfall / And we deserve it playing God / With our machine”. (A natureza humana é a razão/ Para a nossa ruína / E nós merecemos isso, brincando de Deus / Com nossas máquinas.)
“The Game of Life” começa com uma batida característica de hard rock e que traz um certo conforto sonoro de quem pegou um álbum do Scorpions para ouvir. O peso que caracteriza o álbum está em todo o “Humanity – Hour I”, mas você consegue respirar sem se preocupar se a banda mudou tanto assim sua identidade musical. A voz de Klaus soa emocional novamente, os solos a lá anos 80 acalentam os ouvidos e quando você se dá conta está cantando o refrão dançante: “In the game of life/The strong survive/We’re on a one-way street/We gotta make it out alive/And never let ‘em drag us down.” (No jogo da vida/O forte sobrevive/Estamos em uma rua de mão única/Precisamos dar vida a isto/E jamais deixar nos arrastarem para baixo)
Claro que “The Game of Life” foi criada junto ao conceito futurista do álbum, mas fica muito claro o fato de que ela pode ser ouvida a qualquer tempo, porque se encaixa no contexto, porém vai mais além, fala do “jogo da vida”, sobrevivência em sociedade. “Here comes the morning/It’s time to play/The game of life”. (Lá vem a manhã/É hora de jogar/O jogo da vida)
A terceira música do álbum traz um clima sombrio, com riffs arrastados apesar da bateria enérgica. O tema principal de “We Were Born To Fly” é a solidão e a necessidade de se agarrar a alguém que mantenha a sua fé. Nascemos para voar, mas estamos presos é o que fica claro logo no início da música. “Hello again/You’ve been alone awhile/And I can use a friend/Your shades are down/And I’ve been waiting here for you to come around”. (Olá, novamente/Você esteve sozinho por um tempo/E eu posso ser um amigo/Suas sombras estão caídas/E eu estive aqui esperando você voltar)
Desde que o mundo é mundo a arte, de modo geral, utiliza-se do amor como um elemento de esperança para tempos caóticos. No caso de “Humanity – Hour I” isso é visto com mais intensidade em outras músicas, porém é possível ver um relance disso nessa letra. “And it’s not about forgiveness/Cause it’s all about the love anyhow”. (“E isso não é sobre perdão/Porque é tudo sobre o amor, de qualquer modo”)
Reza a lenda que este álbum estava muito pesado e que foi preciso incluir algumas músicas que transmitiam esperança. “The Future Never Dies” é uma delas. O clima sombrio e desesperançoso de “We Were Born to Fly” perde espaço para uma melodia psicodélica de leve, a lá Pink Floyd. Essa música traz uma mistura de melancolia com esperança, Floyd com as baladas tradicionais do Scorpions. A letra fala de um possível futuro “We´re alive/ And the future never dies” (Nós estamos vivos/e o futuro nunca morre), mas questiona o presente quando diz “So tell me why I´m alone/When we´re lying here together.” (Então me diga porquê eu estou sozinho/ Quando nós estamos deitados juntos)
O clima logo é quebrado pela “You’re Lovin’ Me To Death”, com um tom mais agressivo e pesado. A temática da música é o sofrimento de ter sido enganado, de certa forma. “You played me like a toy/ You made my life a mess” (Você me usou como um brinquedo/ Você fez da minha vida uma bagunça) O que faz todo o sentido se formos analisar o rumo lírico que as músicas vinham tomando. E será mesmo possível o amor sobreviver em uma sociedade caótica?
Sem palavras para “321”.
E logo quando você se pergunta se não tem aquela balada romântica a lá Scorpions mesmo, aparece “Love Will Keep Us Alive”. A batida dançante suave, o riff icônico de guitarra, perfeita para dançar a dois. Não tem como ouvir essa música e não se transportar para aquelas festas na casa de alguém, que todo mundo esperava uma música assim para apagar a luz e dançar juntinho. O clima romântico aqui é quebrado pela batida de um tambor de guerra disfarçado em “We Will Rise Again”. Quando você escuta “Your Last Song” e “Love is War” tem a ligeira impressão de já ter ouvido antes. “The Cross” contou com a participação de Billy Corgan nos vocais. Talvez seja pelo vocalista do Smashing Pumpkins, ou pelos riffs característicos, mas essa é a única música do álbum com cara de música dos anos 2000. “Humanity – Hour I” finaliza com “Humanity”. “Your fantasies and lies” (Suas fantasias e mentiras).
“Humanity – Hour I” pode ter uma ou duas músicas que não são das mais aplaudidas, mas ganha um dez aqui pelo conjunto da obra. O conceito artístico fica claro para os mais atentos. Para quem só gosta de ouvir as músicas, sem analisar todo o contexto criativo, também. “Humanity – Hour I” agrada sim, a gregos e troianos, que sejam fãs de Scorpions ou que tenham respeito pelo conteúdo de excelente qualidade, produzido aqui.
Tracklist:
- Hour I
- The Game Of Life
- We Were Born To Fly
- The Future Never Dies
- You’re Lovin’ Me To Death
- 321
- Love Will Keep Us Alive
- We Will Rise Again
- Your Last Song
- Love Is War
- The Cross
- Humanity
Formação:
Klaus Meine – Vocal
Matthias Jabs – Guitarra
Rudolf Schenker – Guitarra
Pawel Macioda – baixo
James Kottak – bateria
*publicado originalmente em 25 de outubro de 2018, na Roadie Metal.